segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Livro e o Fogo





Ray Bradbury, Fahrenheit 451, Lisboa, Europa América, 2011.
(Ed. original: Nova Iorque, Ballantine Books, 1953)








O papel arde a 451º Fahrenheit, 233º Celsius. Mas nem tudo é tão fácil assim.

Guy Montag pertence à Vigília do Fogo. Dito doutro modo, Guy Montag é bombeiro, ou melhor, é a antítese do ofício como hoje o conhecemos - ao invés de apagar fogos, este bombeiro, como todos os da Vigília do Fogo, ateia-os. O alvo são os livros. Num futuro não datado, os livros tornaram-se objectos proibidos. Millay, Whitman, Faulkner ardem perfumados a gasolina, um por cada dia da semana. As poucas bibliotecas pessoais sobreviventes são queimadas e, por vezes, danos colaterais, os proprietários também. Os livros são uma ameaça à paz.
"Os negros não gostam de Little Black Sambo. Queimemo-lo. A Cabana do Pai Tomás não agrada aos brancos. Queimemo-lo. Um tipo escreveu um livro sobre o tabaco e o cancro do pulmão? Os fumadores ficam consternados. Queimemos o livro. A serenidade, Montag, a paz, Montag. Liquidemos os problemas, ou melhor ainda, lancemo-los no incinerador."
Lancemos achas ao enredo. Um dia Montag conhece Clarisse, a louca. Ela pergunta-lhe se alguma vez leu os livros que queima. Que ideia?! É proibido. Não, nunca lê. E será Montag feliz - novamente a inquiridora Clarisse. É claro que é feliz, é um bom trabalho. Mas a dúvida fica em Montag. Será ele realmente feliz a queimar livros que nunca lê?
Não nos adiantemos mais. Só é preciso saber que algures nesse mundo há uma comunidade de resistentes - leitores que se tornam livros. Pois quando o fogo devora as páginas, resta a memória. Nessa comunidade, vivem A República, As Viagens de Gulliver, um Eclesiastes. Uma biblioteca de homens-livro.

Livros e fogo, uma relação milenar, de Alexandria ao III Reich. Quem sabe se, num futuro mais ou menos próximo, os livros não voltarão à fogueira. Se a palavra é uma arma, há quem ainda tenha medo do livro e de tudo o que ele encerra - o conhecimento, a liberdade. Atenção: o medo ateia fogueiras.
Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, uma narrativa sobre o poder do livro. Leitura obrigatória para quem julga a literatura, e a cultura em geral, um bem secundário, perfeitamente prescindível quando o dinheiro (que também arderá a 451º Fahrenheit) escasseia e as mesas estão vazias. Nem só de pão vive o homem.

Nota final: Fahrenheit 451 passou, e bem, para o grande ecrã, sob a assinatura de François Truffaut.




A. Zamperini

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