domingo, 26 de janeiro de 2014

The Wind Singer

E eis que concluí a primeira resolução de ano novo. Sim, se estão lembrados do meu último post antes de 2014, adivinharam: li finalmente Os Jogos da Fome (The Hunger Games). E deixem que vos diga, acho que bati um recorde qualquer, porque li o primeiro livro apenas num dia. Mas devem estar a achar estranho que esteja a falar de um livro completamente diferente daquele que vêem ao lado deste texto.
Passo a explicar. Os Jogos da Fome, como sabem pelo post que a minha irmã colocou em Agosto do ano passado, passa-se num mundo distópico, pós catástrofe que mudou para sempre a face da America do Norte e pós guerra em que cada um dos 12 districtos de Panem (como veio a ser chamada mais tarde) têm que fornecer um rapaz e um rapariga entre os 12 e os 18 anos para lutar entre si até à morte numa arena criada pelo governo. Mas aquilo que me chamou a atenção, a parte a óbvia referência à guerra no Iraque, aos gladiadores da antiga Roma e ao mito de Teseu, foi a simetria inconsciente a uma trilogia que tive o prazer de ler aquando dos meus tempos no secundário.
The Wind Singer (infelizmente não encontrei uma versão em português até hoje) de William Nicholson é o primeiro livro da trilogia The Wind on Fire, uma história apaixonante sobre Krestel, uma jovem que vive num mundo paralelo, também este quase que distópico, numa cidade chamada Aramanth, onde não existe liberdade e onde a população é dividida por castas, distinguidas por cores entre o Cinzento (a casta mais baixa e pobre) e o Branco (a mais alta e poderosa), sendo o Imperador o único a quem é permitido usar a cor Azul e podendo a população subir de casta apenas por um sistema de pontuações de desempenho académico, profissional e... bem, na vida em geral.
Proveniente de uma família de casta Laranja (uma casta acima da Cinzenta) que acredita na virtude das ideias e da igualdade, Kestrel despreza o sistema e renuncia-o chegando a revoltar-se em público. O seu acto de rebeldia têm naturalmente várias consequências, uma das quais a sua fuga da cidade com o seu irmão gémeo, Bowman, e um rapaz com um atraso mental chamado Mumpo em busca da voz do 'Cantador do Vento', uma estranha escultura que se encontra na praça principal da cidade e que numa antiguidade longínqua 'cantava' para repelir os Morah, entidades terríveis que controlam seres malévolos e mortais chamados Zars.
Talvez não seja uma história muito semelhante à de Suzanne Collins, mas podemos perceber certas simetrias, como por exemplo, a rebeldia contra o sistema, a proveniência humilde da personagem principal e a ditadura política. Este é um livro que vale a pena ler se tivermos gostado d'Os Jogos da Fome e quisermos algo mais.

Austen

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Lorca

Estou a meio de um livro (quem não está?!). Talvez fique para um próximo post. Agora, perante a dúvida sobre o que escrever, olho a cidade pela janela da cozinha, antes de fixar os meus olhos na estante e procurar por uma lombada mais saliente que me recorde leituras passadas.
A chuva insiste em cair, mansa mas persistente, e o frio gela as mãos. A estante oferece-me Federico García Lorca. Irónico, pois. Se quiséssemos dividir poetas por estações do ano, Lorca não seria decerto um poeta de Inverno. Ele é os quarenta graus do Agosto andaluz, lua sobre o Guadalquivir, corridas de touros, sangue na arena, coragem e revolta, amor e morte.


Federico García Lorca, Antologia Poética.
Selecção, tradução, prólogo e notas de
José Bento, Lisboa, Relógio d'Água, 1993.




Às cinco horas da tarde.
Eram as cinco em ponto da tarde.
Um menino trouxe o lençol branco
às cinco horas da tarde.
Uma ceira de cal já preparada
às cinco horas da tarde.
Tudo o mais era morte, apenas morte
às cinco horas da tarde.




Mas cedo ao apelo da estante. Hoje é dia de Lorca e aconselho a Antologia Poética editada em 1993 pela Relógio d'Água, com selecção, tradução e prólogo de José Bento. Uma edição bilingue, evitando assim tudo o que se perde com a tradução, sobretudo num género como é a poesia. Esta antologia reúne poemas de Canciones, Romancero Gitano, Poema del Cante Jondo, Llanto por Ignacio Sánchez, Diván del Tamarit e Poeta en Nueva York.
Fixo-me nos poemas deste último livro, até porque a chuva e o frio levam-me mais depressa à Grande Maçã do que às laranjas de Granada. Entre 1929 e 1930, Lorca frequenta a Columbia University. Mas, então, não é Nova Iorque que chega à poesia de Lorca. É Lorca, o andaluz, que invade a cidade que não dorme.


Cidade sem sono
(Nocturno da Brooklyn Bridge)

Não dorme ninguém.
As criaturas da lua cheiram e rondam as choupanas.
Virão as iguanas vivas morder os homens que não sonham
e o que foge com o coração partido encontrará pelas esquinas
o incrível crocodilo quieto sob o terno protesto dos astros.

Não dorme ninguém.
Há um morto no cemitério mais longínquo
que se queixa três anos
porque tem uma paisagem seca no joelho
e o menino que enterraram esta manhã chorava tanto
que foi preciso chamar os cães para que se calasse.

Caímos pelas escadas para comer a terra húmida
ou subimos ao gume da neve com o coro das dálias mortas.
Mas não há esquecimento nem sonho:
carne viva. Os beijos atam as bocas
num emaranhado de veias recentes
e a quem dói a sua dor doerá sem descanso
e o que teme a morte tem de levá-la sobre os ombros.

Um dia
os cavalos viverão nas tabernas
e as formigas furiosas
atacarão os céus amarelos que se refugiam nos olhos das vacas.
Outro dia
veremos a ressurreição das mariposas dissecadas
e ainda, ao percorrer uma paisagem de esponjas cinzentas e barcos mudos,
veremos brilhar o nosso anel e brotar rosas de nossa língua.

Aos que guardam ainda pegadas de garra e aguaceiro,
àquele rapaz que chora porque não sabe a invenção da ponte
ou àquele morto que já não tem mais que a cabeça e um sapato,
há que levá-los ao muro onde iguanas e serpentes esperam,
onde espera a dentadura do urso,
onde espera a mão mumificada do menino
e a pele do camelo se eriça com um violento calafrio azul.

Não dorme ninguém.
Mas se alguém fecha os olhos,
açoitai-o, meus filhos, açoitai-o!
Haja um panorama de olhos abertos
e amargas chagas acesas.
Não dorme ninguém no mundo. Ninguém, ninguém.
Já disse.
Não dorme ninguém.
Mas se alguém de noite tem excesso de musgo nas têmporas,
abri os alçapões para que veja sob a lua
as falsas taças, o veneno e a caveira dos teatros.
Não dorme ninguém no céu. Ninguém. Ninguém.
Não dorme ninguém no mundo. Ninguém. Ninguém.
A vida não é sonho. Alerta! Alerta! Alerta!
Um dia
Alerta! Alerta! Alerta!
Não dorme ninguém no céu. Ninguém, ninguém.
A. Zamperini

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

As Aventuras de Sherlock Holmes

Título Original: The Adventures of Sherlock Holmes

         

Autor: Arthur Conan Doyle

       

Editora: Bertrand

   

 Páginas: 272




O livro as Aventuras de Sherlock Holmes foi publicado pela primeira vez em 1982, tendo sido publicado inicialmente por partes na revista The Strand. Nesta obra encontram-se reunidos algumas das mais famosas histórias deste grande dective da literatura inglesa. Sempre acompanhado pelo Doutor Watson, Holmes nunca deixa por resolver os casos que tem entre mãos. O seu método é lógico e surpreende sempre os leitores, pois recorre a coisas triviais que o ajudam na resolução dos mistérios. 

O autor Arthur Conan Doyle foi um médico que nas suas horas vagas gostava de escrever pequenas histórias. Foi numa dessas histórias que nasceu Sherlock Holmes, que viria a tornar-se ao lado de Poirot de Agatha Christie num dos mais conhecidos detives. Em 2009 a sua história foi mais uma vez adapatda para o cinema com Robert Downey Jr. no papel de  Holmes:

 

 

Winter


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Colina das Bruxas

Penso que já mencionei o assunto antes, mas mesmo que me esteja a repetir vale a pena salientar mais uma vez que, para além dos grandes Clássicos da literatura (e por esta altura já devem ter-se todos apercebido da minha discriminante afeição pela literatura inglesa), o meu amor é o Oculto. A tal ponto que, em muitos aspectos, esta área já tomou controlo da maioria dos aspectos do meu quotidiano e, por consequência, os meus hábitos literários. A par de títulos como Um Conto de Duas Cidades, Norte e Sul e Amor de Perdição, a minha lista de leitura para 2014 engloba também High Magic's Aid de Gerald Gardner, A Queda da Atlântida de Marion Zimmer Bradley e A Filha da Floresta de Juliet Marillier. Mas para ser sincera, admito que todo o que envolve Magia e Natureza sempre me fascinou desde pequena, muito antes da saga de J.K.Rowling desempenhar o seu papel no meu despertar para...
Mas estou a divagar do tema, que é na verdade um dos livros que mais me surpreendeu depois do Harry Potter. Nem que seja apenas pela adaptação para o cinema, o trabalho de Bradley foi imortalizado dos corações dos leitores contemporâneos pela sua conhecida obra, As Brumas de Avalon, saga que relata a lenda do Rei Artur da perspectiva feminina e que atribui grande parte dos maiores e mais famosos feitos relatados na lenda como tendo sido, directa ou indirectamente, orquestrados pelas mãos das mulheres envolvida. Mas o que os leitores de Bradley que ficaram pelas páginas das suas Brumas (ou apenas pela grande tela) não sabem é que Bradley evolui de apelar ao feminismo para atribuir o poder total sobre o destino à mulher, concedendo-lhe através das páginas de A Colina das Brumas um poder que ao longo da história foi usurpado pelo macho da espécie.
Em A Colina, a bruxa, encarnada na personagem de Sarah Latimer, regressa à casa familiar em Nova Inglaterra, habitada anteriormente por uma tia-avó que nunca chegou a conhecer, após uma tragédia que lhe ceifou a família. Sarah chega à casa apenas para ser confrontada com o segredo da sua identidade - e os seus inúmeros passados - ao mesmo tempo que (pois claro, tinha que ser) se descobre apaixonada pelo jovem médico local.
Se tivesse que considerar que este livro tinha alguma coisa de mal, diria que, para além do cliché da luta entre o mal e o amor, é o facto de este livro associar a bruxaria principalmente a praticas de Magia Negra, quando qualquer pessoa que vasculhe um pouco pela Internet (e já nem digo pela Wikipédia) descobre que a bruxa, moderna ou não, está longe da imagem que o Feiticeiro de Oz plantou nas nossas cabeças. Seja como for, A Colina das Bruxas vale a pena ler pela acção, a narrativa e a apaixonante história que conta.

Austen

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Insónias

Todos nós já tivemos uma (ou várias) daquelas noites em que não conseguimos pregar o olho por mais carneiros que contemos e chávenas de leite morno pela garganta abaixo. Ficamos na cama, volta após volta, à espera que o sono chegue. Podemos sair do vale dos lençóis para a sala, ligar a televisão e assistir às tele-vendas, ou buscar aquele livro que, já sabemos, ao fim de página e meia é bochecho certo. Mas todos os esforços são inglórios e continuamos acordados até à chegada dos primeiros raios do sol por entre as persianas.
Paul Auster, Homem na Escuridão,
Lisboa, Asa, 2008
(tit. orig. Man in the Dark, 2008) 
Para August Brill, essas noites são uma constante. Na escuridão do quarto, enquanto a filha e a neta dormem (ou talvez não...) no andar de cima, este escritor magoado pelos anos e por um acidente que lhe tirou a autonomia, já não desespera na espera do sono: "Deixo-me ficar deitado na cama e conto-me histórias". 
A história que Brill conta a si mesmo é a de uma América fragmentada pela guerra civil após as eleições presidenciais de 2000. Owen Brick, o herói, acorda num buraco sem saber onde está, como ali chegou e, muito menos, quem realmente é neste mundo paralelo. Mais tarde, um dilema: matar ou morrer.
Parece o enredo de um filme de acção, mas este filme apenas é visionado na cabeça de Brill, afastando a escuridão e, sobretudo, a dor que encheu a casa após uma série de infortúnios. Porém, a terapia auto-administrada não resulta como o esperado: através de Brick, Brill não consegue esquecer tudo aquilo que lhe tira o sono; ou melhor, Brick acaba por tornar a memória de Brill ainda mais viva e o passado, com os bons e os maus momentos, cada vez mais presente.
Ainda há outros filmes a passar, e estes não na cabeça de Brill. Nalgumas noites, o escritor partilha a insónia com a neta Katya, que abandonou o curso de cinema após a trágica morte do namorado. Ela e o avô enchem as noites com filmes, DVD após DVD, de Renoir a Ozu (ver a comovente análise de Brill a uma das últimas cenas de Viagem a Tóquio). Mas estes também contam muito mais do que as suas próprias histórias. Neta e avô partilham as mesmas contradições da terapia adoptada.
"O real e o imaginado são um só. Os pensamentos são reais, mesmo quando pensamos em coisas irreais. Estrelas visíveis, céu invisível. O som da minha respiração, o som da respiração de Katya. Orações antes de adormecer, os rituais da infância, a gravidade da infância. Se eu morrer antes de acordar. Com que rapidez tudo se vai. Ontem uma criança, hoje um velho e, desde então até agora, quantas batidas de coração, quantos movimentos respiratórios, quantas palavras ditas e ouvidas? Alguém que toque em mim. Põe a tua mão no meu rosto e fala comigo." (pp. 157-158)
A. Zamperini

sábado, 4 de janeiro de 2014

A Rapariga Que Roubava Livros

Título: A Rapariga que Roubava Livros
Autor: Markus Zusak
Editora: Presença (Fevereiro de 2008)
Páginas: 468
«Eu desejava dizer muitas coisas à rapariga que roubava livros, acerca de beleza e brutalidade. Mas o que podia eu dizer-lhe acerca dessas coisas que ela não soubesse já? Queria explicar-lhe que estou constantemente a sobrestimar e a subestimar a raça humana – que raramente me limito apenas a estimá-la. Queria perguntar-lhe como podia a mesma coisa ser tão horrível e tão gloriosa, e as suas palavras e histórias tão nefandas e tão brilhantes. Nada disto, contudo, saiu da minha boca.» Considerações da Morte.

O meu ano terminou com a história de Liesel Meminger, narrada, nem mais nem menos, pela cansada voz da Morte que percorre a terra numa era de devastação e decadência humana: o nazismo. Por entre actos de amor e de ódio, esta estranha narradora vislumbra o mundo dos humanos através de cores, centrando-se depois naqueles que carrega e no peso do seu último suspiro. No meio de tanta perda, encontra a Rapariga que Roubava Livros, uma menina que tudo perdeu e tudo tenta resgatar: o amor da família, a segurança das palavras, o som mudo de um acordeão abandonado, um beijo suspenso, uma janela aberta para uma biblioteca, folhas pintadas e reescritas, uma cave aquecida por um abraço; enfim, um espaço seu, um tempo merecido e inviolável. Mas os obstáculos intransponíveis da raiva instalada roubam-lhe esses momentos e é por isso que ela decide tomá-los de volta, resgatá-los um a um.
Esta é a paixão de Liesel, que encontra um lar numa nova família, que lhe ensina o poder das palavras. Só alguém que conhece a impotência de não ter palavras é que consegue vislumbrar o seu verdadeiro valor. Para se salvar, rouba livros que a acompanham e que acabam por salvar outros. O que mais me impressionou na mágica escrita de Zusak é a sua capacidade para colocar lado a lado a visão de Liesel e da Morte, de explorar o futuro antes de acontecer e vermos todos os pormenores do percurso que levaram ao seu desfecho, construído por acções humanas. O leitor consegue ver que um pequeno passo pode mudar completamente o destino de todas as personagens, mesmo sem elas o saberem. Conseguimos ver como a simples acção que condena uns, salva outros e que um mero abraço pode fazer com que um humano se transforme novamente numa pessoa. Eis a magia da frágil liberdade humana, cujas acções insondáveis destroem, mas também salvam e percorrem caminhos que ecoam por todas as ruas e entram em todas as portas.
Uma leitura que nos faz ver o mundo de forma diferente, olhando para um acontecimento tão nefasto que, apesar de parecer estar a anos-luz, teve lugar ainda ontem. Por mais que tentemos esquecer, esta visão persegue-nos e é imperativo que reconheçamos o peso do poder das palavras.

O filme baseado neste livro vai estar nos cinemas a 23 de Janeiro e é com grande entusiasmo que aguardo essa data. Vai ser interessante ver a Morte com voz masculina ao fim de tantas páginas como mulher, mas a ceifa permanecerá.
Aqui fica o trailer:



K. Dalloway