quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley


Enraizado num universo distópico onde a condição humana é moldada pela ilusão de uma felicidade material, a verdade cede o seu lugar perante o contentamento de sobreviver numa letargia química e artificial. O ritmo desmedido do instinto é domado pela dormência de uma abundância translúcida que inunda a mente daqueles que nasceram programados para desistirem de si mesmos. Nesta incubadora, todos os demónios estão adormecidos por drogas que enlaçam aqueles cujo destino já está traçado muito antes de respirarem pela primeira vez, que constituem a maquinaria que permeia esta existência inundada por uma felicidade aparente, que corrói a possibilidade de uma vida sem barreiras.


O Admirável Mundo Novo nasceu como uma resposta à sociedade distópica de 1984, onde a liberdade é aprisionada por uma autoridade austera que sufoca a identidade individual de todos, submersos num universo extremo, permeado de violência. O livro de Orwell mostra a verdadeira perversidade humana, elevando a um extremo este tipo de sociedades ditatoriais. Pelo contrário, aquilo que Huxley insiste em afirmar é que a liberdade humana pode ser (e é) condicionada, desprovida de qualquer valor, pela dormência da felicidade implantada, sem violência: a aniquilação do espírito crítico e o contentamento material conseguem suprimir qualquer necessidade anímica do ser humano. A felicidade em detrimento da sabedoria, o preconceito em detrimento da ciência, a tecnologia em detrimento da arte, o sorriso em detrimento das lágrimas, Ford em detrimento de Deus. Eis os ingredientes necessários para uma sociedade que viva numa paz adormecida.
A história desenrola-se numa sociedade de castas onde cada um nasce artificialmente (através do método Bokanovsky), sendo condicionado desde o embrião para acreditar na verdade e legitimidade do Estado que integra. Um simples processo pode gerar dezenas, e até centenas, de seres humanos, criados para acreditarem em máximas de estabilidade (incutidas através da sua audição inconsciente durante o sono), que ensinam a respeitar a ordem social estratificada e o papel que cada um deve desempenhar. Neste mundo, a tecnologia suprime todas as necessidades humanas, fazendo com que os cidadãos sejam tão felizes e satisfeitos com o seu dia-a-dia que não se questionem. A verdade, assim como tudo, é estandardizada. No caso de o sofrimento e a preocupação invadirem o espírito de alguém, a Soma, uma droga, está sempre disponível para afastar demónios e submergi-los no esquecimento.

Aqui conhecemos Lenina, uma funcionária do Centro de Condicionamento que, apesar de viver segundo os parâmetros do Estado Mundial, quebra algumas barreiras, sendo objecto de desejo de muitos homens, com quem tenta relacionar-se através de frívolas e superficiais relações sexuais (uma das condutas apoiadas pelo Estado). Numa das suas aventuras com Bernard Marx (alusão a Karl Marx), um alfa com um sentido de inferioridade acentuado, submerso em melancolia que o faz colocar em causa alguns preconceitos do seu modo de vida, conhece um selvagem, John, um homem que não fora criado num laboratório de produção em massa, mas gerado por uma mulher, tendo crescido fora dos limites impostos pelo Estado, com a sua mãe, Linda (uma blasfémia perante os olhos da sociedade). Longe do condicionamento social, John representa o Bom Selvagem, o ser humano sem o peso da civilização, sem os limites e barreiras esmagadoras impostas pelo progresso. Num mundo à parte, descobriu a obra de Shakespeare e vive imbuído pela sua arte, imerso numa ilusão diferente, que o levará à paixão por Lenina, cego não pelos preconceitos da sociedade, mas pela ideia surreal do amor poético. Não estando integrado na sua tribo, pede aos viajantes para o levarem com a sua mãe para o Estado Mundial, esse Admirável Mundo Novo. Contudo, com a sua chegada, esse ideal almejado e o desejo de sentido de pertença desmoronam-se perante uma sociedade baseada na ilusão de uma felicidade material, desprovida de um Deus (substituído por Ford, o pai da industrialização), onde a doença, a velhice e o sofrimento não existem, mas também não cedem lugar à liberdade da existência humana.  
Reclamando o seu direito ao sofrimento, após ter perdido a mãe e sufocado a ilusão amorosa, John inicia o seu caminho para a libertação, para o despertar do sono profundo da sociedade. Contudo, enfrentará ventos contrários que se irão esforçar por domar o seu espírito, despedaçando a agulha da sua bússola. 

Conseguirá ele restaurá-la?
Conseguiremos nós?

K. Dalloway

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