segunda-feira, 24 de junho de 2013

Memórias de Adriano

Este ano, devido a problemas pessoais que mais vale não serem discutidos para não adormecer ninguém, não tive grande oportunidade de ir à Feira do Livro no Parque Eduardo VII. Na verdade, não tive tempo para nada, mas isto tudo para dizer que só pude ir uma vez. Não foi um dia muito proveitoso: o tempo estava solarengo mas abafado, andei sempre a correr, passei por bancas ou atafulhadas de gente ou completamente desertas, ambos os lados do parque completamente impedidos a qualquer peão que ousasse tentar a sua sorte e entrar no mar de livros, sessões de autógrafos, farturas (sim, porque a feira é para esfomeados no geral, não só por Literatura) bancas de comida para gato (por alguma razão!) e tudo isto sem conseguir encontrar um livro que me chama-se a atenção que já não tivesse.
Por sorte, não estava sozinha. Minutos antes tinha-me encontrado com um amigo já dos tempos do liceu que, talvez por monotonia, decidiu vir comigo. Foi o que me valeu. Passadas umas horas vimo-nos na zona dos alfarrabistas. Ele estava à procura de um livro para uma colega da faculdade (lamento, mas se nunca os lí, os títulos e autores falham-me) e encontramos um exemplar das Memórias de Adriano entre a poeira. Não que esta obra seja muito antiga. Esta edição foi publicada em Janeiro de 2005. Mas talvez por Yourcenar não ser um nome que soe no nosso quotidiano, caiu como muitos dos seus pares no esquecimento.
Ele tinha-o lido. E adorado. Mas avisou-me logo que, e passo a citar, "envelhece-te mil anos". Não é muito de estranhar. Afinal, Adriano viveu há quase mil anos (nasceu em 76 d.C.), mas para os leigos de História Romana (como é o meu caso), o nome do imperador é apenas um nome utilizado num franchising antiquado de termas e muralhas romanas que proliferaram na Europa no seu reinado. Seja como for, comprei o livro - custou-me 5€, imaginem - para ver se criava algumas rugas. Ainda não o acabei, e talvez por isso ainda não ande de bengala, apesar de já sentir dores nas costas. No entanto, o livro tem-me surpreendido.
Memórias de Adriano conta a biografia de um imperador romano oriundo de então Hispania, que estudou a Filosofia grega, que se tornou soldado elevando-se ao posto de Governador da Síria e cuja culminou na sua ascensão a Imperador do Império Romano. Humanista e Philhellene, é actualmente considerado pela História  o terceiro dos Cinco Bons Imperadores. As suas obras, como já mencionei, estão espalhadas por toda a Europa, chegando ao Norte de Africa e mesmo à Ásia. Mas o facto de a personagem principal ser uma das figuras mais importantes e amadas da história (até porque as personagens mais interessantes são as menos amadas) não é a razão pela qual considero este livro bom, e sim a própria forma como está escrito.
É a primeira vez na minha vida em que leio uma biografia escrita na primeira pessoa deste. Dirão que existem muitas escritas da mesma forma, e eu própria já me deparei com vários diários fictícios (ver, por exemplo, o post sobre O Diário Secreto de Maria Antonieta) mas esta tem uma grande diferença que, a meu ver, altera toda a natureza da obra e capta a atenção do leitor: trata-se de um monólogo. Nesta obra não há qualquer tipo de diálogo entre a personagem principal/narrador e as outras personagens. Todo o livro é uma extensa carta ao sucessor de Adriano, Marco, escrita pressupostamente pela sua própria mão como contributo à sua educação. A forma simplicista, austera, e contudo graciosa e magestosa de relatar o passado, capta o leitor desde a primeira página e (tenho a certeza apesar de ainda não estar acabado) até à última.
Este é mesmo um livro que nos envelhece mil anos. Mas a idade avançada provém da experiência que o leitor acaba por sentir no papel de Adriano. Pois esse é o grande poder destas suas Memórias.

Austen

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