quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O Eco da Solidão

Título: O Ano Sabático
Autor: João Tordo
Editora: D. Quixote (Maria do Rosário Pedreira) - Janeiro de 2013
Páginas: 208

Um livro em dois tempos, uma história múltipla com uma sombra única, uma narrativa que circum-navega em torno de um mesmo intuito: a busca do eu através do outro. Na verdade, aquele torna-se neste, numa dança inquietante, mas inevitável. Uma melodia desconhecida, criada na mente de um, surge, inocente, na cabeça de um outro, latejando numa partilha que se torna num roubo, que se ergue como redenção. O intervalo dos tempos nesse compasso de busca transmite esse encontro, o descanso merecido do reflexo.

O Ano Sabático surge como uma aposta destemida de João Tordo em mergulhar no mundo da temática do duplo; tema já muito trabalhado no universo literário. Contudo, aquilo que poderia estar destinado ao grande fracasso da banalidade, ergue-se como mais uma obra-prima ao distinguir-se como um livro sem igual. Amante deste tema, O Ano Sabático fez-me colar a cada uma das páginas, sorver cada palavra e, perto da segunda parte do livro, ter um ataque em pleno comboio: o livro é mesmo muito bom e imprevisível, conseguindo fazer-nos submergir num clima de suspense, ao mesmo tempo que fazemos parte dos encontros e desencontros das personagens. É impossível não o ler de um fôlego.

Nele conhecemos Hugo, que, passados muitos anos a viver no Canadá, regressa a Portugal, para reencontrar nas suas raízes. É um homem mudado, que encontrou a sua paixão no contrabaixo e fez da sua vida a música. Após tempos conturbados, de dormência alcoólica, de uma letargia interior, vê-se em Portugal novamente, e tem de enfrentar muitos fantasmas. Instala-se em casa da sua irmã gémea e passa algum tempo com o seu sobrinho, Mateus, que, juntamente com a empregada, Dulcineia, vê a importância de Nutella, o seu contrabaixo, vislumbrando na melodia em Dó sustenido que habitava na cabeça do tio algo de mágico e misterioso. É assim que o grande acontecimento que abala todo o livro estoura numa noite em que Hugo sai com Elsa Gorsky (O Bom Inverno), a pedido da sua irmã, e ouve essa mesma melodia, algo que só existia dentro de si, a ser tocada por um pianista de renome, que para além do mais parece ser igual a ele: Luís Stockman.

Vários caminhos se entrecruzam e Hugo e Luís enveredam por percursos vertiginosos na busca de si mesmos, tentando decifrar a origem da tal melodia em Dó sustenido. Obsessão, orgulho, medo e prazer fundem-se nesta cega demanda pela conquista de todos os monstros, terminada através de um novo olhar, de um outro (que, em última análise, somos também nós próprios). Existirá um momento de apaziguamento num intervalo de silêncio?


K. Dalloway  

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