terça-feira, 26 de novembro de 2013

Shakespeare and Company

Numa esquina perto de Notre Dame, no fundo de uma rua coberta por plásticos que denunciam o suor recente do restauro, podemos encontrar uma livraria diferente. Qualquer amante de livros se irá perder neste pequeno cantinho, onde encontrará santuário. Ao contrário da maioria das livrarias que visitamos, feitas para vender e despachar o produto o mais depressa possível, aqui deparamo-nos com pessoas que devotam a sua vida aos livros e à arte de ler. Cada centímetro da loja está preenchido por objectos e memórias literárias: papéis, cadernos, rabiscos, capas, marcadores, máquinas de escrever, pianos com pautas inacabadas, posters de lançamentos de livros, rascunhos, mensagens, ilustrações… A principal presença pertence aos livros, que crescem por todo lado, reivindicando o seu domínio, o seu direito a serem venerados. Mas também a serem lidos, revistos, percorridos pelos olhos de cada leitor (que, aliás, é aquele que o insufla com vida).


Logo na rua, à entrada, encontramos estantes com livros em segunda mão, que já preencheram as horas de outrem e que agora se abrem novamente, ao humilde olhar do novo aventureiro. Ficamos expectantes, sentimos mesmo um frémito nervoso na ponta dos dedos quando os percorremos, procurando o eleito, aquele que iremos reivindicar. Quando o encontramos, sentimos que o universo está alinhado e é com esse conforto que entramos dentro da loja, para nos maravilharmos em estupefacção: existem estantes do chão ao tecto, ao longo de todo o estabelecimento. Mais: ali estão concentradas todo o tipo de publicações – de livros de bolso a edições de luxo (quase que conseguimos vislumbrar à nossa frente a história da edição de determinado título, acompanhando as preferências pontuais que ditam os diferentes matizes da arte de ler). Mesmo subindo escadas, os livros perseguem-nos em cada degrau, a cada passo, sendo acompanhados por caricaturas de autores conhecidos, ilustrações dos livros infantis mais populares, de post-its e papeis rasgados com notas de autores e citações que nos preenchem com a certeza do nosso amor pelo universo dos livros.
Toda a loja continua, intercalando divisões entre os livros que estão à venda e outros que se encontram disponíveis para leitura nos sofás que se assomam conforme exploramos este incrível ser feito de páginas soltas e memórias. Encontramos a cama do ocioso escritor, cuja inércia esconde a mais plena forma de vida, preenchida por aventuras e provações. Os livros são percorridos pela sombra dessa melancolia letárgica, mas transparecem em simultâneo o cansaço da descoberta e a alegria dos conquistadores. Assim como esta loja, todos os livros possuem essa magia de nos transportarem para universos paralelos, que nos resgatam da banalidade e da letargia.


No coração de Paris, esta loja que abriga livros em inglês é a prova viva de que a literatura pode quebrar todas as barreiras, pois, como encontramos escrito num papel rasgado, colado num dos degraus da escada que nos transporta para o piso superior, o grande desafio da escrita é «to write about real things magically» (Raymond Chandler).


K. Dalloway

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