terça-feira, 12 de novembro de 2013

Arquitectos de luz e estrangeiros

Título: O Vendedor de Passados
Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Dom Quixote (10.ª Edição, Outubro de 2009)
Páginas: 232

«Um nome pode ser uma condenação. Alguns arrastam o nomeado, como as águas lamacentas de um rio após as grandes chuvadas, e, por mais que este resista, impõem-lhe um destino. Outros, pelo contrário, são máscaras: escondem, iludem. A maioria, evidentemente, não tem poder algum. Recordo sem prazer, sem dor também, o meu nome humano. Não lhe sinto a falta. Não era eu.»

N’O Vendedor de Passados conhecemos Félix Ventura, um albino que controla o tempo, desconstruindo o passado dos seus clientes, criando genealogias, terras e realidades novas, firmadas pelo testemunho da nomeação. Na verdade, a construção do tempo, de uma nova vida, firma-se num encadear de relatos criados, que transformam a realidade. A memória cimenta-se no testemunho, baseado num eco interior que confirma o poder da volatilidade do tempo, que se altera, lançando as suas raízes para o futuro, que brotam numa existência reinventada que cresce, cujos frutos podem ser deliciados por um outro passado, alterando o seu ciclo perante a evidência do inevitável. Só o instante é concreto: a metamorfose do tempo capturada num jogo de luz, desprovido de qualquer consequência.

Também testemunhamos a vivência plena dos sonhos através da voz de Eulálio, uma osga que fora um humano noutra vida. Inicialmente descrito como «um pequeno deus nocturno», é a encarnação da própria omnisciência da casa-barco, vivendo atormentado por ter sido o principal obstáculo da sua vida, saboreada ao ritmo dos outros. Presenciamos a transformação do estrangeiro em José Bushman, prova viva de que a realidade pode ser firmada como uma certeza, de que um enredo imaginário pode ser real: a imagem viva da transformação do eu num outro. Com Ângela Lúcia, o amor de Félix Ventura, uma caçadora de luz, aprendemos a importância do instante e o seu poder em encarar o futuro como sendo sempre algo de novo. E, por fim, para destabilizar, conhecemos o ministro, com a sua vertiginosa ganância de possuir uma vida austera, tomando essa ilusão como realidade, e o vagabundo, que traz consigo o fim da ilusão, desvendando a verdadeira história de duas personagens.
Neste jogo de ilusões, transportados pelo poder amorfo do tempo, todos tecemos a nossa história, o nosso eu, o nosso outro. Quem seremos?

«Ao chegarmos a velhos apenas nos resta a certeza de que em breve seremos ainda mais velhos. Dizer de alguém que é jovem não me parece uma expressão correcta. Alguém está jovem, isso sim, da mesma forma que um corpo de mantém intacto momentos antes de se estilhaçar no chão.»

K. Dalloway

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