domingo, 3 de novembro de 2013

Frio

Dia 24 deste mês faz 39 anos que Werner Herzog saiu da sua casa em Munique com a missão de ir a pé até Paris. O motivo era um só:
"No final de Novembro de 1974, um amigo ligou-me de Paris a dizer-me que Lotte Eisner estava gravemente doente e que provavelmente morreria. Eu disse que não podia ser, não agora, o cinema alemão ainda não a podia dispensar, não podíamos permitir que ela morresse. Peguei num casaco, numa bússola e num saco de desporto contendo o estritamente necessário. As minhas botas eram novas e robustas, confiava nelas. Segui pelo caminho mais directo até Paris, com a firme convicção de que ela viveria se eu fosse ter com ela a pé. Queria, além disso, estar a sós comigo mesmo."
Werner Herzog, Caminhar no Gelo, Lisboa, Tinta-da-china, 2011
(ed. orig.: Vom Gehen im Eis, 1978)

Ao longo da viagem de encontro com Lotte e, sobretudo, de encontro consigo mesmo, Werner Herzog escreveu um diário. Em princípio, este seria apenas um registo pessoal. Contudo, quatro anos após a viagem, Herzog mudou de ideias e quis partilhar a sua experiência com outros.
Não espere longas divagações. Talvez defeito profissional, Herzog concentra-se na criação de imagens e sensações com as palavras, inserindo o leitor nos cenários gélidos dos cerca de 800 quilómetros que separam Munique de Paris. Ele dirige-nos o olhar através dos caminhos enlameados, das florestas silenciosas, dos pássaros que se abrigam da chuva e dos animais que pastam nos campos gelados. Durante o percurso, assistimos à solidão de um caminhante que nem os encontros fugazes com os locais atenua. Esses não são mais do que figurantes. A outra personagem está em Paris, viva ou não. Herzog acredita que sim, é para isso que caminha, rumo a esse encontro salvífico. Afinal, este é também um relato de fé.
A. Zamperini

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