domingo, 2 de fevereiro de 2014

Existência Mutilada

Livro: A Irmã de Freud
Autor: Goce Smilevski
Editora: Alfaguara (Março de 2013)
Páginas: 332
«A loucura surgiu ao mesmo tempo que a raça humana; talvez a primeira pessoa, aquela que primeiro disse ‘Eu’, tenha vivenciado o desmoronar do seu Eu. Mais tarde, na primeira infância da Humanidade, os membros de uma comunidade olhavam aqueles que eram diferentes da mesma maneira que alguém observa uma maravilha para a qual não há explicação – da mesma maneira que alguém observa o movimento do Sol, de um extremo ao outro do céu, ou a luz de um relâmpago.»

Mesclando realidade e ficção, Goce Smilevski narra-nos a busca pela existência que tece a história de Adolfine, uma das irmãs de Freud, sua confidente e, como tal, confinada à fragilidade da exclusão. Numa sociedade à beira do colapso, conta-nos a sua história, que começa com dor, produzida pelo sofrimento da rejeição da mãe. É assim que a melancolia erige lentamente o seu reino, arrasando qualquer sombra de certeza e arrastando Adolfine para a penumbra de uma vida vazia. Mas é nessa decadência que ela descobre um rapaz cujo olhar chorava para dentro, Rainer; a breve Sarah, que vê o banal repleto de riqueza; a excêntrica e justa Klara Klimt, que anuncia a mudança, ao mesmo tempo que constitui a grande constante na vida de Adolfine; a «Alma Caridosa», que encontra o amor e segurança no sítio mais improvável; e Heinerle, o seu sobrinho fascinado com as moscas de um dia, que descobre quem é num fantoche inacabado, no fim de uma vida efémera. Através da interacção com estes sucessivos outros quero acreditar que, ao longo das páginas, Adolfine consegue ir remendando o seu eu mutilado, nessa eterna demanda, à qual todos estamos condenados, de estabelecer uma ligação interior com o outro, procurando o eu, nessa relação.

Num livro imbuído de personagens inspiradas por Freud e Nietsche, entre outros, o autor tece uma narrativa de influência claramente existencialista, onde todos fogem de si mesmos perante o mais pálido sinal de certeza, encontrando abrigo numa eterna loucura e melancolia. O amor e o ódio, as duas grandes forças motrizes, batalham nas entrelinhas das relações, onde conseguimos vislumbrar a importância da família, da maternidade e da busca por uma enseada que nos proteja da intempérie que incorpora a nossa sede por uma existência plena. É nessa loucura que conhecemos a vida de Adolfine, com berço num lar fragmentado, marcada pela rejeição de todos, passando pelos anos do «ninho», uma clínica psiquiátrica, onde busca o silêncio por entre a multidão e culminando com a ida para um campo de concentração, sem ressentimentos, obliterada pelo esquecimento total.

É sem dúvida um livro a ler, que ajuda qualquer pessoa a olhar para dentro da sua loucura, pois «todas as pessoas normais são normais da mesma forma; mas cada louco é louco à sua maneira».

K. Dalloway

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