sábado, 26 de outubro de 2013

O quebra-cabeças do Tempo


© Henning Wagenbreth

Título: A História de Lisey
Autor: Stephen King
Editora: Bertrand Editora (Junho de 2007)
Páginas: 488
O artifício que reside na inconstância da fluidez do tempo adensa o terror inerente a todas as narrativas. A capacidade de saltar para o passado, torná-lo mais longínquo, meditar sobre ele, desenterrar cadáveres esquecidos é uma marca indelével da arte de contar histórias de terror. A carga psicológica adensa-se e ficamos confusos, perturbados, a tentar encontrar o nosso caminho de regresso à «normalidade». Sem a estabilidade do tempo, perdemos o nosso chão e somos puxados por forças divergentes que geram o caos, dando lugar à maldição da incerteza e à pressão psicológica do desconhecido.

Para celebrar o mês do terror estou a ler A História de Lisey, de Stephen King, uma obra marcada pelo descompasso da narrativa, constantemente invadida por analepses e prolepses nas alturas mais inesperadas. Sem aviso, somos transportados para passados distantes que, por sua vez, são habitados por memórias com raízes longínquas. Inesperadamente, somos arrancados de reflexões sobre o passado e puxados para o presente, somos testemunhas de diálogos comentados por fantasmas e dirigidos por meandros atemporais que instalam a loucura.
Como o título indica, a história narrada é a de Lisey Debusher, viúva de um mediático escritor – Scott Landon – que faleceu há dois anos. Na sua ausência, tem de lidar com os demónios do passado de ambos, com a loucura da sua irmã (Amanda) e com a obsessão dos incunks (os seguidores fanáticos do escritor, que acabam por não perceber nada). Muito mais do que isso, Lisey tem de lutar consigo mesma, com a sua tendência insistente em viver numa realidade convencional (quase conservadora), desvendando os fantasmas que obscureciam a percepção da sua própria vida e a do seu companheiro. Assim, descobre nos «sacrifícios de sangue» um mundo alternativo, um refúgio – o Boo’ya Moon. Toda a história é um quebra-cabeças assombrado, mas enlaçado pelo estranho, mas verdadeiro e terno, amor deste casal. Conseguirá Lisey encontrar-se?

Para além desta leitura, para adensar a ambiência de terror, este mês tem sido preenchido pelo último álbum de Steven Wilson: The Raven That Refused to Sing. Esta obra-prima foi inspirada por diversos contos de terror, e a faixa «Watchmaker» não é excepção. Nela conhecemos um relojoeiro que passou a vida a trabalhar com o tempo, moldando-o para os outros, mas vivendo à margem dele, sempre à espera de uma outra vida. Esta letargia termina quando a sua falecida mulher, que apenas amou pela necessidade convencional, o vem buscar para se juntar a ele na eternidade da morte. É um bom exemplo de como o incansável jogo do tempo cria labirintos de loucura, à margem da realidade.





K. Dalloway

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