quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Abismo de Poe

Título: «O Poço e o Pêndulo», um conto incluído em Edgar Allan Poe - Histórias Extraordinárias
Autor: Edgar Allan Poe
Editora: LeYa-Bis
Páginas: 16


O terror mais tenebroso ergue-se da impotência da angústia perante a falta de escolha. A existência dormente do desmaio perante a inutilidade, dentro de um grito mudo sem resposta, envolve o ser humano nesse «abismo trasmundano» do desmoronar da ponte entre a esfera do espírito e o mundo do físico. Com a sentença de morte, o fim inevitável não escolhe nem o tempo nem o espaço, confinando-se ao vazio do abismo desconhecido. Mas o frémito da vida persiste e, mesmo perante a evidência incontornável do fim, podemos sempre acordar e, talvez, vislumbrar a fraca possibilidade de que «mesmo no túmulo nem tudo está perdido».



Começamos a leitura de O Poço e o Pêndulo com a evidência indiscutível da sentença de morte de um homem, condenado pela Inquisição. Sem alento nem esperança, aguarda o derradeiro instante em que abandonará a vida. Contudo, apesar de implacável e certeiro, o fim não chega de imediato, arrastando-se na escuridão, assombrando e amaldiçoando a sua última morada, como um vislumbre do túmulo: uma sala escura com paredes de metal e um poço profundo. Perante o desafio de resistir a saltar para o seu fim, é deixado num estado descompassado entre a insónia e o delírio, desmaiando para voltar a ser acordado e alimentado, apenas para resistir a mais umas horas de implacável terror: está destinado à loucura, à tenebrosa escolha de saltar. Permanece nesse pesadelo e vê-se rodeado de paredes cobertas de desenhos, povoadas por figuras monstruosas e demoníacas que o assombram. Mais tarde, após mais um sono induzido, acorda amarrado a uma espécie de altar sacrificial de madeira, com um pêndulo cuja extremidade é uma lâmina que desce, devagar e incessantemente, na sua direcção. O pavor percorre os seus pensamentos e a tortura torna-se consciente. Entre o pálido desejo de sobreviver e a miragem do alívio do abraço da morte, o vibrar moroso do pêndulo percorre os seus pensamentos. Até que, quando a situação não poderia piorar, do poço aparecem montanhas de ratazanas vorazes esfomeadas, controladas pelo cheiro a medo e a carne. Mas são estes demónios que o salvam, libertando-o do seu cárcere. Quando o fim está perto, as próprias paredes aquecem e a cela fica povoada de bestas, percorrida por um calor infernal, onde o poço parece a única salvação. Sem escolha e perante a angústia da tortura, uma questão persiste: haverá mesmo esperança no túmulo? O que acontecerá a este condenado?

Mestre do terror, este conto de Edgar Allan Poe destaca-se pela sua chama, ainda que pequena, de esperança. A tortura psicológica ganha formas tenebrosas e mergulhamos num delírio doentio, que torna impossível ler este conto sem ser de uma assentada só. Afinal, o terror habita em nós e, perante a orientação deste mestre, não conseguimos resistir ao seu chamamento.


                K. Dalloway

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