quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Les bourgeois


Hoje resolvi começar com Brell. Porquê? Porque vamos falar de burguesia, não a francesa, mas a italiana. A amorfa, indolente, superficial burguesia italiana nos anos de Mussolini, retratada com a precisão de um bisturi pelas mãos de um mestre do romance europeu.






Alberto Moravia, Os Indiferentes, Lisboa, Livros do Brasil, 2002
(ed. orig.: Gli Indifferenti, 1929)








Moravia conduz-nos pela mão para dentro de casa. Não batemos à porta, apenas observamos, durante sensivelmente 48 horas, o quotidiano de uma família "indiferente", incapaz de agir perante a tragédia anunciada.
Apresentemos os cinco vértices da trama:
Mariagrazia, a matriarca: "A mãe aproximou-se; não mudara de vestido mas penteara-se, e tinha-se empoado e pintado abundantemente; adiantou-se, da porta, no seu passo pouco firme, e, na sombra, a cara imóvel, de traços indecisos e de cores vivas, parecia uma máscara estúpida e patética."
Carla, a filha: "[...] trazia um vestidinho de fazenda castanha, de saia tão curta que bastou o movimento de fechar a porta para a fazer subir um bom palmo acima das frouxas dobras que as meias lhe faziam em redor das pernas; mas ela não deu por isso e adiantou-se com precaução, olhando misteriosamente em frente, preguiçosa e incerta [...]"
Michele, o filho: "O nosso Michele!... Anda cá, Michele... há tanto tempo que não nos vemos. - Há dois dias - disse o rapaz, olhando-o fixamente; esforçava-se por parecer frio e vibrante, embora não se sentisse senão indiferente; desejaria acrescentar: «e quanto menos nos virmos, melhor é», ou algo semelhante, mas não teve prontidão nem sinceridade para isso."
Leo, o amante: "[...] meus caros, faço questão de afirmar que tudo me corre bem, ou melhor, optimamente, e que estou contentíssimo e satisfeitíssimo, e que, se tivesse de renascer, não quereria renascer senão como sou e com o meu nome: Leo Merumeci."
Lisa, a amiga: "A porta abriu-se de todo e Lisa entrou: um casaco de abafar azulado envolvia o seu corpo gordo e chegava quase até aos pés minúsculos; a cabeça, com um chapelinho cilíndrico, azul e prata, parecia ainda mais pequena sobre os ombros cheios, que a roupa de Inverno arredondava [...]"
Brevemente, o enredo. No seu 24º aniversário, Carla decide começar uma nova vida, cedendo aos avanços de Leo, o endinheirado amante da mãe. Leo manipula a família a seu bel-prazer, arrastando-a para a ruína financeira e não só. Michelle, o outro filho de Mariagrazia, resiste passivamente, enquanto se envolve com Lisa, a amiga da mãe e ex-amante de Leo. No fim, estala o verniz... ou talvez não.
Uma nota: Moravia escreveu Gli Indifferenti aos 22 anos de idade. Tinha 57 quando estreou a adaptação cinematográfica da sua primeira obra, com realização de Francesco Maselli e Claudia Cardinali à cabeça do elenco.




A. Zamperini

Sem comentários:

Enviar um comentário