quinta-feira, 25 de abril de 2013

Em Busca do Compasso

Título: Dança, Dança, Dança
Autor: Haruki Murakami
Editora: Casa das Letras (Novembro de 2007)
Páginas: 480


Apesar de sermos, aparentemente, meros espectadores impotentes perante o fluir dos acontecimentos que marcam a passagem da vida, podemos sempre, inexplicavelmente, dançar, dançar, dançar e transformar o mundo através da liberdade de interpretação que a inconsciência desse mesmo movimento permite. Os acontecimentos que permeiam a vida estão aí, materializam-se e, por mais inesperados ou absurdos que sejam, existem para ser vividos. A única coisa que nos pode salvar de experienciar a nossa existência de forma passiva é acompanhá-la, reinterpretá-la aos nossos olhos, dançar.





Nas páginas de Dança, Dança, Dança voltamos a encontrar-nos com o personagem principal de Em busca do Carneiro Selvagem, um escritor freelancer¸ autodenominado de «limpa-neve cultural», que é contratado por um magnata para iniciar uma viagem metafísica na busca de um carneiro. Ao longo dessa epopeia, o nosso personagem sem nome perde-se da sua namorada, Kiki, uma misteriosa call girl com umas orelhas muito especiais. Esta nova aventura começa quando decide procurá-la e voltar ao Hotel Golfinho, local indicado por ela no livro anterior. Mas tudo muda, o tempo avança incessantemente e arrasa qualquer desejo de usufruto do presente, assim como o antigo e acolhedor hotel, que agora está transformado num grande empreendimento de luxo; o passado fora completamente apagado. Contudo, certas coisas deixam o seu rastro, uma determinada ambiência, portas entre mundos paralelos que desvelam caminhos alternativos (ou não estaríamos nós num romance de Murakami). É nesta brecha entre a realidade e o sonho que o nosso personagem se reencontra com o Homem Carneiro e trava amizade com Yumiyoshi, uma recepcionista que o envolve desde o princípio; conhece Yuki, uma rapariga de treze anos com uma sensibilidade especial e reencontra Gotanda, um antigo colega de escola que agora é um famoso actor dividido entre os papéis desempenhados e a sua própria personalidade. A partir destas personagens centrais, outras se juntam a este círculo misterioso, onde uma organização de prostituição de luxo está no epicentro do desaparecimento de algumas call girls, e tragédias inesperadas assolam a vida dos envolvidos, conscientemente ou não, nesta epopeia pela busca de Kiki.

O personagem principal já não se reconhece, tendo perdido fragmentos de si mesmo em acontecimentos passados que o desgastaram, por isso este romance centra-se num momento de fronteira; uma atitude tem de ser tomada e o único conselho dado pelo Homem Carneiro é: «dançar […] Enquanto houver música, deves continuar sempre a dançar. Não perguntes porquê.» É desta forma que Murakami dá forma ao sentimento de impotência perante a vida, aquele frio que nos percorre quando pensamos demasiado sobre os acontecimentos que mudam o rumo do expectável. Numa sociedade onde até a prestação de serviços sexuais pode ser considerada nos impostos, o absurdo adquire linhas ténues que se misturam com a realidade. Este mundo ao contrário não possui um caminho único, antes tendo prismas diferentes que, muitas vezes, se contradizem, criando um sentido de impossibilidade. Dança, Dança, Dança mostra-nos que essas irregularidades da realidade têm de ser abraçadas e vividas. A amizade entre um adulto e uma menina pode ser o caminho para que ambos se conheçam a si mesmos, o «eu» através do «outro»; assim como um maneta pode fazer as mais deliciosas sanduíches, também uma excêntrica fotógrafa pode captar a essência inerente à simplicidade de existir; o amor é possível, transforma-nos através de formas inesperadas e tem o poder de nos salvar. Temos é de saber reconhecê-lo, abraça-lo na sua forma mais pura, desprovida de raciocínio. Para tal, só temos de dançar.


K. Dalloway

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