quarta-feira, 8 de maio de 2013

Diz-me o que lês

Aviso à navegação: não sei, nem nunca soube, escrever sobre livros. Quer isto dizer que nunca consegui avaliá-los de forma crítica, pensar na forma, na construção do enredo, no estilo. Resolvi lavar as minhas mãos e deixar essa tarefa aos críticos literários, essas perspicazes criaturas. A minha relação com os livros escapa à razão. Leio-os como quem come uma sobremesa. O que importa como foi feita, o que a compõe ou quem a fez? Tudo está no sabor, no sentir. Os livros são também memórias. Não as do autor, mas as minhas. Os bons recordo, os maus recalco. E confesso, sem arrependimentos, nem penitências, que alguns acabo por roubar ao autor e torná-los meus. Então, as personagens tornam-se velhos conhecidos que partilham comigo alegrias, mágoas, aventuras, humilhações, vitórias. Creio que o mesmo acontecerá a outros leitores (ou assim espero, a bem da minha sanidade mental!), para os quais a biblioteca conta mais a sua história do que as dos Ulisses, das senhoras Dalloways ou dos Raskolnikovs perdidos nas folhas de papel.
Eis o meu B.I. literário. Sou uma leitora tardia. Lá em casa eram poucos os livros, salvo os do Círculo Leitores, comprados mais para calar a insistência dos vendedores do que para ser lidos. A leitura não me encontrou na infância, quando preferia as Barbies e o Spectrum 128k (sim, sou produto dos 80). Só na adolescência. O Eça tirou-me a virgindade literária – não sei se lhe agradaria essa imagem... – e durante os meus primeiros tempos de leitora assídua percorri-lhe uma boa parte da obra. Depois, resolvi recuperar o tempo perdido e agarrar-me aos clássicos. Aos 16 apaixonei-me por Julien Sorel, agradecendo o encontro a Stendhal. Até encontrei um Sorel de carne e osso, mas isso é outra história, talvez para um post futuro. Mergulhei no realismo mágico com García Marquez, vi a guerra pelos olhos de Hemingway e Faulkner levou-me até ao Sul. Kerouac, Camus, Kundera, e olhava para os meus colegas do liceu com a arrogância tola de “vocês sabem lá!”. Outros acompanharam as minhas dores de crescimento, entre a mesinha de cabeceira e a mochila da praia.
Hoje abrandei o ritmo das leituras. Compromissos profissionais obrigam-me a afundar os olhos em páginas de prosa de qualidade bem inferior. Porém, os livros, os bons, continuam a fazer parte da minha vida e a interferir nela. Mas escrever sobre eles...

A. Zamperini

Sem comentários:

Enviar um comentário