Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Dom Quixote (10.ª
Edição, Outubro de 2009)
Páginas: 232
«Um nome pode ser uma condenação.
Alguns arrastam o nomeado, como as águas lamacentas de um rio após as grandes
chuvadas, e, por mais que este resista, impõem-lhe um destino. Outros, pelo
contrário, são máscaras: escondem, iludem. A maioria, evidentemente, não tem
poder algum. Recordo sem prazer, sem dor também, o meu nome humano. Não lhe
sinto a falta. Não era eu.»
N’O Vendedor de Passados conhecemos Félix Ventura, um albino que
controla o tempo, desconstruindo o passado dos seus clientes, criando
genealogias, terras e realidades novas, firmadas pelo testemunho da nomeação.
Na verdade, a construção do tempo, de uma nova vida, firma-se num encadear de
relatos criados, que transformam a realidade. A memória cimenta-se no
testemunho, baseado num eco interior que confirma o poder da volatilidade do
tempo, que se altera, lançando as suas raízes para o futuro, que brotam numa
existência reinventada que cresce, cujos frutos podem ser deliciados por um
outro passado, alterando o seu ciclo perante a evidência do inevitável. Só o
instante é concreto: a metamorfose do tempo capturada num jogo de luz,
desprovido de qualquer consequência.
Também testemunhamos a vivência
plena dos sonhos através da voz de Eulálio, uma osga que fora um humano noutra
vida. Inicialmente descrito como «um pequeno deus nocturno», é a encarnação da
própria omnisciência da casa-barco, vivendo atormentado por ter sido o
principal obstáculo da sua vida, saboreada ao ritmo dos outros. Presenciamos a
transformação do estrangeiro em José Bushman, prova viva de que a realidade
pode ser firmada como uma certeza, de que um enredo imaginário pode ser real: a
imagem viva da transformação do eu num outro. Com Ângela Lúcia, o amor de Félix
Ventura, uma caçadora de luz, aprendemos a importância do instante e o seu
poder em encarar o futuro como sendo sempre algo de novo. E, por fim, para
destabilizar, conhecemos o ministro, com a sua vertiginosa ganância de possuir
uma vida austera, tomando essa ilusão como realidade, e o vagabundo, que traz
consigo o fim da ilusão, desvendando a verdadeira história de duas personagens.
Neste jogo de ilusões,
transportados pelo poder amorfo do tempo, todos tecemos a nossa história, o
nosso eu, o nosso outro. Quem seremos?
«Ao chegarmos a velhos apenas nos
resta a certeza de que em breve seremos ainda mais velhos. Dizer de alguém que
é jovem não me parece uma expressão correcta. Alguém está jovem, isso sim, da
mesma forma que um corpo de mantém intacto momentos antes de se estilhaçar no
chão.»
K. Dalloway
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