Título: O Bom Inverno
Autor: João Tordo
Editora: LeYa BIS (livro de bolso)
Páginas: 304
O peso indelével da existência persiste na sua marcha:
cada escolha, enquanto sombra da liberdade, é um prenúncio da marca de finitude. Que é esta senão a
asfixia da leveza, a perseguição incansável da ilusão de unicidade? A busca de
um outro? Mas é também neste que se transfigura a realidade, que submergimos na
multiplicidade e se desdobra a vida, num passo acelerado rumo à morte. Essa é a
nossa marca de finitude, num universo
de infinitas hipóteses, onde ilusão e realidade bailam, recriando o sentido,
consumando a ambiguidade do peso da leveza como uma bem-vinda maldição.
A atmosfera
que permeia O Bom Inverno é de
mistério, desenrolando-se entre o thriller psicológico e o policial, com
algumas pinceladas surreais que dão um ritmo vertiginoso à leitura. A história
é narrada por um escritor letárgico, engolido por uma dormência que o aprisiona
a uma existência eremítica e paranóica, ficando coxo de uma perna (sem nenhum
motivo físico), envelhecendo, deixando-se consumir pela arbitrariedade do seu
rumo. Contudo, tudo muda quando recebe um convite da sua editora para
participar num ciclo de conferências na Hungria, que aceita relutante. Aí
conhece os italianos Vincenzo (um jovem audacioso escritor) e Olivia (sua
namorada) e Nina, uma inglesa, namorada de um reconhecido escritor, John
McGill, que o desafiam a ir passar uma temporada em Sabaudia, na casa de um
famoso cineasta, Don Metzger (interessado no livro de McGill). Chegados ao seu
destino, conhecem os colaboradores do cineasta, como Elsa Gorski, uma bela actriz,
e Bosco, um sinistro criador de balões de ar quente. Com o aparecimento do
cadáver de Don Metzger embarcam numa torrente de acontecimentos, abandonando a
sua anterior existência para se encontrarem envolvidos numa teia de homicídios
e mentiras. A perseguição ao assassino começa, envolvida pela desconfiança,
pelo delírio e pela sede de justiça; não há saída possível.
Esta leitura
foi a minha estreia no mundo de João Tordo e posso dizer que não consegui
pousar o livro. A escrita despretensiosa do autor é tão fluída e visual que
facilmente submergimos no seu universo e nos deixamos enredar pelos
acontecimentos. O que mais me impressionou foi a forma como consegue aliar uma
história tão cativante a diversas reflexões metafísicas que desabrocham em
diálogos inesperados, entre personagens tão diferentes. Simultaneamente, o
próprio livro é um ensaio sobre o significado da escrita e do seu autor, esse
demiurgo que desconstrói e reordena o mundo, salvando-o apesar da sua corrida
incessante para a morte, imortalizando-se apesar da sua finitude. Será o
despojamento a salvação perante a efemeridade ou, pelo contrário, será esta
alcançada pelo enlaçamento com os frutos da nossa condição de liberdade? É
entre a leveza e o peso que a vida acontece e, apesar dos limites, apesar da
incerteza, se reescreve incessantemente. Como escreveremos a nossa história?
Será que o
nosso narrador se irá salvar? Conseguirá escapar ao Bom Inverno?
K. Dalloway
Sem comentários:
Enviar um comentário