Aviso à navegação: não sei, nem nunca soube, escrever sobre livros. Quer
isto dizer que nunca consegui avaliá-los de forma crítica, pensar na forma, na
construção do enredo, no estilo. Resolvi lavar as minhas mãos e deixar essa
tarefa aos críticos literários, essas perspicazes criaturas. A minha relação com os livros escapa à razão.
Leio-os como quem come uma sobremesa. O que importa como foi feita, o que a
compõe ou quem a fez? Tudo está no sabor, no sentir. Os livros são também
memórias. Não as do autor, mas as minhas. Os bons recordo, os maus recalco. E
confesso, sem arrependimentos, nem penitências, que alguns acabo por roubar ao
autor e torná-los meus. Então, as personagens tornam-se velhos conhecidos que
partilham comigo alegrias, mágoas, aventuras, humilhações, vitórias. Creio que
o mesmo acontecerá a outros leitores (ou assim espero, a bem da minha sanidade
mental!), para os quais a biblioteca conta mais a sua história do que as dos
Ulisses, das senhoras Dalloways ou dos Raskolnikovs perdidos nas folhas de
papel.
Eis o meu B.I. literário. Sou uma leitora tardia. Lá em casa eram poucos
os livros, salvo os do Círculo Leitores, comprados mais para calar a
insistência dos vendedores do que para ser lidos. A leitura não me encontrou na
infância, quando preferia as Barbies e o Spectrum 128k (sim, sou produto dos
80). Só na adolescência. O Eça tirou-me a virgindade literária – não sei se lhe
agradaria essa imagem... – e durante os meus primeiros tempos de leitora
assídua percorri-lhe uma boa parte da obra. Depois, resolvi recuperar o tempo
perdido e agarrar-me aos clássicos. Aos 16 apaixonei-me por Julien Sorel,
agradecendo o encontro a Stendhal. Até encontrei um Sorel de carne e osso, mas
isso é outra história, talvez para um post futuro. Mergulhei no realismo
mágico com García Marquez, vi a guerra pelos olhos de Hemingway e Faulkner
levou-me até ao Sul. Kerouac, Camus, Kundera, e olhava para os meus colegas do
liceu com a arrogância tola de “vocês sabem lá!”. Outros acompanharam as minhas
dores de crescimento, entre a mesinha de cabeceira e a mochila da praia.
Hoje abrandei o ritmo das leituras. Compromissos profissionais obrigam-me
a afundar os olhos em páginas de prosa de qualidade bem inferior. Porém, os
livros, os bons, continuam a fazer parte da minha vida e a interferir nela. Mas
escrever sobre eles...
A. Zamperini
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