© Henning Wagenbreth
Título: A História de Lisey
Autor: Stephen King
Editora: Bertrand Editora (Junho de 2007)
Páginas: 488
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O artifício que reside na inconstância
da fluidez do tempo adensa o terror inerente a todas as narrativas. A
capacidade de saltar para o passado, torná-lo mais longínquo, meditar sobre
ele, desenterrar cadáveres esquecidos é uma marca indelével da arte de contar
histórias de terror. A carga psicológica adensa-se e ficamos confusos,
perturbados, a tentar encontrar o nosso caminho de regresso à «normalidade».
Sem a estabilidade do tempo, perdemos o nosso chão e somos puxados por forças
divergentes que geram o caos, dando lugar à maldição da incerteza e à pressão
psicológica do desconhecido.
Para celebrar o mês do terror
estou a ler A História de Lisey, de
Stephen King, uma obra marcada pelo descompasso da narrativa, constantemente
invadida por analepses e prolepses nas alturas mais inesperadas. Sem aviso,
somos transportados para passados distantes que, por sua vez, são habitados por
memórias com raízes longínquas. Inesperadamente, somos arrancados de reflexões
sobre o passado e puxados para o presente, somos testemunhas de diálogos comentados
por fantasmas e dirigidos por meandros atemporais que instalam a loucura.
Como o título indica, a história narrada
é a de Lisey Debusher, viúva de um mediático escritor – Scott Landon – que
faleceu há dois anos. Na sua ausência, tem de lidar com os demónios do passado
de ambos, com a loucura da sua irmã (Amanda) e com a obsessão dos incunks (os seguidores fanáticos do
escritor, que acabam por não perceber nada). Muito mais do que isso, Lisey tem
de lutar consigo mesma, com a sua tendência insistente em viver numa realidade
convencional (quase conservadora), desvendando os fantasmas que obscureciam a percepção
da sua própria vida e a do seu companheiro. Assim, descobre nos «sacrifícios de
sangue» um mundo alternativo, um refúgio – o Boo’ya Moon. Toda a história é um quebra-cabeças assombrado,
mas enlaçado pelo estranho, mas verdadeiro e terno, amor deste casal. Conseguirá
Lisey encontrar-se?
Para além desta leitura, para
adensar a ambiência de terror, este mês tem sido preenchido pelo último álbum
de Steven Wilson: The Raven That Refused
to Sing. Esta obra-prima foi inspirada por diversos contos de terror, e a
faixa «Watchmaker» não é excepção. Nela conhecemos um relojoeiro que passou a
vida a trabalhar com o tempo, moldando-o para os outros, mas vivendo à margem
dele, sempre à espera de uma outra vida. Esta letargia termina quando a sua
falecida mulher, que apenas amou pela necessidade convencional, o vem buscar
para se juntar a ele na eternidade da morte. É um bom exemplo de como o
incansável jogo do tempo cria labirintos de loucura, à margem da realidade.
K. Dalloway
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