Título: Debaixo de Algum Céu
Autor: Nuno Camarneiro
Editora: LeYa - Maria do Rosário Pedreira (Março de 2013)
Páginas: 200
A vida é uma vertigem que passa
num piscar de olhos. Apercebemo-nos dela nos intervalos em que não a pensamos,
nos instantes que vamos roubando à monotonia, quando olhamos em redor e o tecido anódino que nos rodeia ganha contornos. Ela acontece, pura e simplesmente; tocamos e somos
tocados, vamos vivendo e fazemos os outros viverem: de perto não somos mais do
que um tímido sopro, mas de longe podemos fazer parte da mais grandiosa tempestade.
«Os cães da praia medem os homens pelas sombras que deitam, e notam que a
sombra de um homem só em parte se deve ao seu tamanho. O resto é da luz que
lhes chega, e há homens sem luz, outros que a perdem e uns poucos que a
acrescentam.»
Debaixo de Algum Céu é um livro que respira, cheio de vida, feito
de gente; de mim, de ti, daquele que vemos ali no café da esquina, da mulher
que apanha o autocarro na nossa paragem, da criança que chora a caminho do
primeiro dia de aulas. Conta-nos a história da vida dos inquilinos de um prédio
à beira-mar durante os últimos sete dias de um ano e, como logo no início nos
assegura o autor: «é uma história de portas adentro.» As suas vidas cruzam-se,
criam-se e entrelaçam-se, a solidão é partilhada, sonhos são desenhados, mortes
são choradas, reencontros inesperados mudam o rumo do destino, crenças desiludem-se,
verdades são desveladas e evidências ficam iluminadas pelo estranho clarão das
trevas. Quando a coragem da afirmação entra em cena, o extraordinário pisa a
mesma terra que o banal.
Nestas páginas encontramos gente,
personagens vivas que tornam aquele prédio num ser que respira, numa força
imperativa que tece o entrelaçar daqueles dias. Conhecemos o jovem padre
Daniel, que vislumbra a dúvida da crença; a família de Bernardino e Manuela,
com uma filha mais velha que não quer esperar para crescer e um menino que desenha
um mundo nas paredes que o cercam; Adriano e Constança, um casal com uma bebé
perdido um do outro; Margarida, viúva de um holandês do qual continua sem
perceber a língua; Marco Moço, o salvador do prédio; David, um informático subversivo
que diz criar gente para uma empresa do futuro, mas que arquitecta um poderoso
exército que respira literatura; e a casa vazia no último andar, cuja solidão é
sempre presente. Todas estas vidas se tocam, entrelaçando-se entre si com a
loucura necessária que permeia todas as relações. Quando e onde o espaço e o tempo
se encontram a vida acontece, brotando das mais simples conexões: ela está aí.
K. Dalloway
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