Livro: A Irmã de Freud
Autor: Goce Smilevski
Editora: Alfaguara (Março de
2013)
Páginas: 332
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«A loucura surgiu ao mesmo tempo
que a raça humana; talvez a primeira pessoa, aquela que primeiro disse ‘Eu’,
tenha vivenciado o desmoronar do seu Eu.
Mais tarde, na primeira infância da Humanidade, os membros de uma comunidade
olhavam aqueles que eram diferentes da mesma maneira que alguém observa uma
maravilha para a qual não há explicação – da mesma maneira que alguém observa o
movimento do Sol, de um extremo ao outro do céu, ou a luz de um relâmpago.»
Mesclando realidade e ficção, Goce
Smilevski narra-nos a busca pela existência que tece a história de Adolfine,
uma das irmãs de Freud, sua confidente e, como tal, confinada à fragilidade da
exclusão. Numa sociedade à beira do colapso, conta-nos a sua história, que
começa com dor, produzida pelo sofrimento da rejeição da mãe. É assim que a
melancolia erige lentamente o seu reino, arrasando qualquer sombra de certeza e
arrastando Adolfine para a penumbra de uma vida vazia. Mas é nessa decadência
que ela descobre um rapaz cujo olhar chorava para dentro, Rainer; a breve
Sarah, que vê o banal repleto de riqueza; a excêntrica e justa Klara Klimt, que
anuncia a mudança, ao mesmo tempo que constitui a grande constante na vida de
Adolfine; a «Alma Caridosa», que encontra o amor e segurança no sítio mais improvável;
e Heinerle, o seu sobrinho fascinado com as moscas de um dia, que descobre quem
é num fantoche inacabado, no fim de uma vida efémera. Através da interacção com
estes sucessivos outros quero acreditar que, ao longo das páginas, Adolfine consegue ir remendando o seu eu mutilado, nessa eterna demanda, à
qual todos estamos condenados, de estabelecer uma ligação interior com o outro,
procurando o eu, nessa relação.
Num livro imbuído de personagens inspiradas
por Freud e Nietsche, entre outros, o autor tece uma narrativa de influência claramente
existencialista, onde todos fogem de si mesmos perante o mais pálido sinal de
certeza, encontrando abrigo numa eterna loucura e melancolia. O amor e o ódio,
as duas grandes forças motrizes, batalham nas entrelinhas das relações, onde
conseguimos vislumbrar a importância da família, da maternidade e da busca por
uma enseada que nos proteja da intempérie que incorpora a nossa sede por uma
existência plena. É nessa loucura que conhecemos a vida de Adolfine, com berço
num lar fragmentado, marcada pela rejeição de todos, passando pelos anos do
«ninho», uma clínica psiquiátrica, onde busca o silêncio por entre a multidão e
culminando com a ida para um campo de concentração, sem ressentimentos,
obliterada pelo esquecimento total.
É sem dúvida um livro a ler, que
ajuda qualquer pessoa a olhar para dentro da sua loucura, pois «todas as
pessoas normais são normais da mesma forma; mas cada louco é louco à sua
maneira».
K. Dalloway
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